terça-feira, 10 de novembro de 2009

De Lobatos e Tubarões

Lobato dormia enquanto o resto do dia e da vida corria impune sobre sua janela. Lá ele ficou durante o dia inteiro e sem mover um músculo, continuo por mais dois dias. Não sabia se dormia ou se havia morrido, quando então resolveu se levantar e para sua surpresa, não viu o reflexo tão habitual no espelho. Pensou em ir num hospital, pensou em ir na policia, no cabaré, na casa da sua tia, num bar encher a cara, numa escola, procurar emprego, mas não, dentre tantas alternativas preferiu a cama e voltou a dormir, sem nem entender o porque da decisão. Por mais dois dias ele passou deitado, não dormia, estava consciente, no entanto passou com os olhos fechados o tempo todo. Só abriu quando o sol do amanhecer do terceiro dia já lhe ofuscava a visão e novamente correu ao espelho, novamente tomou um susto ao não ver seu reflexo.
Lobato decide ir ao mar, se afogar e desaparecer de vez, sendo triturado e engolido por um tubarão ou quem sabe até piranhas. Desceu os quatro jogos de escada do seu prédio, abriu a porta e saiu de encontro ao mundo. Quando olhou na sua volta viu que não existia mar ali na sua frente. Havia apenas outro prédio, e outro, e outro e outro e uma casinha peculiar com uma cruz em cima. Certamente não era a praia. Perguntou para as pessoas, mas ninguém o escutava e sua paciência já estava se esgotando, achou melhor voltar para seu prédio. Subiu os mesmos quatro jogos de escadas e deitou.
Dormiu. Acordou, novamente três dias depois. Não sentia frio nem calor, não via sua imagem no espelho. Lobato não se sentia triste, nem alegre. Não tinha um pensamento a seguir, apenas desejava ir ao mar, se afogar e ser triturado por um tubarão. Não havia possibilidades, abriu sua janela, procurou o mar no horizonte, não o encontrava. O céu terminava atrás de um prédio cinzento e cheio de janelas.. e começava do lado de uma casinha peculiar com uma cruz em cima. Não entendia nada de prédios ou casinhas com cruzes em cima. Passou acordado até o anoitecer, e se espantou quando o céu azul se tornou escuro, bem aos poucos, não foi visível a mudança, mas foi gigantesca. Pensou que agora iria encontrar o mar, desceu correndo as escadas e atravessou a rua parou do outro lado e... não encontrou nenhum oceano com tubarões. Voltou devagar para seu quarto, tentando decifrar o que aquilo tudo significava.
Lobato dormiu novamente, só que dessa vez acordou logo no amanhecer. Ouviu o canto de um pássaro e entendeu que ele o mandava seguir até o mar, se afogar e ser devorado pelos dentes cruéis de um tubarão. Lobato sentou pensativo...



“O que são tubarões?”
, pensou antes de deitar e dormir novamente...

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Amor e morte ao sabor de Estricnina

Dois corpos rígidos abraçados; Rigor Mortis;
O músculo endurecido dos amantes;
Que já não sente dor;

Aquela tristeza não existe mais,
Foi-se aos poucos se esvaindo,
Junto com o ar, nesta morte agônica.

Pálidos corpos entregues a lua; Pallor Mortis;
Já não exibem a beleza de outrora,
Estão entregues a eternidade agora.

Caíram no inferno do esquecimento,
Juntos, assim como o desejado.
Este pacto mortal e cruel; romântico.

A pele fria, em contato com a noite, Algor Mortis.
Na sombria solidão das trevas,
Anoitecerá toda manhã para os dois.

E depois das juras, o pacto,
A fiel despedida, o beijo selado,
Com estricnina.

“Pretium doloris mortis”

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Um Dia Cinza


Abafado. Quente. Monótono. Devagar. Ranzinza. Triste. Apático. Reumático. Fraco. Poluído. Cansado. Arrastado. Silêncioso. Inerte. Ruídoso e quieto.

Assim eu defino o dia de hoje, resumindo, um saco. Não que não goste de dias assim, eles exibem uma poesia ímpar. Diferente de um dia ensolarado, bonito e encantador onde até o ar parece ter um gosto mais alegre. Dias cinzas nos remetem a nós mesmos, ao sono de uma vida inteira e assim, se cria a poesia.

Dias cinzas tem uma elegância própria, enquanto nos dias de sol a beleza fica por conta das cores exuberantes, nos dias cinzas você se atém as coisas pequenas, nos detalhes imperfeitos das coisas. O dia cinza é calculista, não deixa brechas para um sorriso, mas exibe a sinfonia de um.

Você nunca ouvirá alguém dizendo "nossa, que dia cinza lindo hoje!", mas certamente pensará, assim como muitos, que esse dia é ímpar, justamente pela falta de cor e mais tarde na intimidade da sua casa, a lembrança de um dia triste vai tomar conta do seu ser e por um segundo você vai desejar um dia destes denovo. Calmo. Quieto. Cinza.

Dias cinzas são intimistas. Se fecham para si mesmos, guardam o sol apenas para eles e pintam a cidade de cinza. São admiradores de uma beleza morta e fria.

Quando uma fina garoa acompanha o tom cinza de um dia a obra esta completa! Se pudessem, as gotas finas que caem das nuvens, seriam de sangue e pingariam em nossos guarda-chuva da maneira mais melancólica possivel. Um lindo dia cinza e triste.

Hoje, terça-feira, até os ônibus estão silenciosos lá embaixo, os passaros também não estão cantando... todos respeitando a realeza de um dia cinza.