quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

O Herói por Trás da Glória

Me peguei, noite passada, com os pensamentos voltados para minhas glórias, meus feitos, os atos que enobreceram minha careira e fizeram de mim, um grande herói para muita das pessoas. Muitas das quais eu jamais vi, e se, o tivesse visto, não me agradaria um só centímetro de sua existência. Não entenda isso por orgulho de minha parte e sim por uma simples escolha da natureza, existe pessoas com quais não nos afinamos nunca, não interessa o fato de sermos artistas, cientistas, professores ou policiais. Valores pessoais estão acima dos civis. E o que me chamou atenção, após estas analises, foi como eu não sou este herói. Sim, o grande cientista renomado internacionalmente aqui, nunca teve uma noite com uma mulher e pior do que isso meus projetos me causam arrepios quando os termino. Verdade que fiz coisas boas para boa parte da população deste planeta, mas apenas meus projetos são heróicos. Eu sou o monstro que dentro do laboratório se esvai em lagrimas e precisa de substancias químicas para manter sua cabeça acordada durante as longas noites de estudo. Saberiam meus alunos que noite passada rodei com meu Mercedes por um bairro pobre atrás de cocaína? E pior ainda, que me humilhei a alguns meses no apartamento de um traficante por duas ou três gramas de cocaína? Sim, a substancia me prende num universo em que sou perfeito, longe dela a depressão me consome, o medo, a paranóia. Eis meus projetos, todos voltados para a humanidade. Soluções para a camada de ozônio? Para mim foi uma força que encontrei no mês passado de me manter afastado de mim mesmo. Ganhei quantos prêmios nos últimos cinco anos? Não saberia lhe dizer, mas com certeza, eles não tiveram a mesma importância que aquelas garrafas de whiskey importado que guardo com cuidado na escrivaninha do escritório.
O gênio se sente fraco toda noite, vocês não sabem. Estive em dois grandes eventos neste mês e brindei champanhe com companheiros antigos dos tempos de medicina e professores de universidades tão importantes quanto o governo americano. E deste encontro não tirei nada, absolutamente nada. Homens de terno, suando enquanto a noite avançava e as piadas sem graça (sempre as mesmas) para cima das belas mulheres que circulam por ali a procura de alguma transa. Uma certa vez tentei a sorte com uma dessas; não consegui. O destino sempre me sorri as avessas, com prêmios, projetos perfeitos, reconhecimento, nobreza, status; mas nunca com diversão, felicidade e companheirismo. Esqueço disso dentro do laboratório, com o nariz entupido de um pó branco e milagroso, experimentando milhares de combinações, escrevendo, analisando, tomando uma ou outra dose de whiskey, fumando cigarros, charutos, e depois no fim da noite, quando o sono não vem, eu dirijo sem direção e paro no caís de encontro com a solidão. Adormeço e acordo antes de alguém me ver, me retiro para casa e tento esquecer dos excessos, mas excesso de solidão não é tão fácil de esquecer, quem dirá esconder. Telefone me dá medo durante a madrugada, tenho ataques de pânico e quem sabe esteja com traços de esquizofrenia. Mas sou um gênio, preciso me manter firme, agradar as pessoas e ter uma fala rebuscada... mas acho que não consigo mais desenvolver um projeto tão bom quanto aqueles de um ou dois anos atrás. Verdade é que vem caindo meu nível, gradativamente. Faz cinco anos no mínimo que não me sinto realizado com um trabalho meu.
O herói por trás das glórias é tão silencioso quanto uma leve pluma caindo no oceano a noite; é de uma tristeza comum, viciado em um vicio comum e atormentado por fantasmas tão grandes quanto sua glória. Lembre-se : “quanto maior sua glória, maior seu fantasma”. Escrevi isto no teto sobre minha cama...

Um herói inglório, apenas...

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

O Fabuloso Mundo Circense dos Irmãos Grim e Schopendauber

Queria tomar um sorvete daquelas maquinas expressas, que no verão se encontra em qualquer esquina, mas era impossível devido a situação em que se encontrava. Uma vida de domador de leões não é fácil, ainda mais quando estes fogem para a cidade. Esqueci de lhes explicar a cena, Grim corre pela cidade atrás de um leão que escapou do seu circo, o Fabuloso Mundo Circense dos Irmãos Grim e Schopendauber. O leão que era de origem franco-espânica, não quis saber da tradição do espetáculo e se mandou assim que o carregador de amendoins chegou para repor o estoque do elefante, e agora corria pelas ruas com um homem atrás dele a gritar. O sol que brilhava no céu começou a ceder seu espaço para nuvens ameaçadoras e o frio que já se fazia bastante presente, passou a ser avassalador. Das gotículas de chuva que caiam, vieram flocos de neve e o coração de Grim ficou apertado. Mesmo com todo este frio ainda pensava no célebre sorvete expresso italiano. Nisso o leão teve a súbita idéia de virar a esquerda e para seu azar um caminhão vinha em disparada. Grim alucinado gritava e corria cada vez mais rápido, mas o leão era de boa inteligência e utilizando o gelo acumulado na pista, deslizou por baixo do caminhão.

Lá pelo final do dia, o leão se recostou numa arvore em um parque para seu descanso, Grim o perdeu de vista. A noite se anunciava silenciosa e o leão dormia debaixo de um pé de fruta congelada. A madrugada veio com os lobos que habitavam a madrugada e o leão indefeso se escondeu dentro de uma dessas maquinas de sorvete expresso italiano. O dia amanhece com Grim esbravejando para os lobos saírem de sua frente, o leão estava solto por aí, e quem sabe até teria sido devorado por aqueles mesmos lobos. Procurou pela tarde inteira, não encontrou sinal nenhum do animal. Seu desespero era tamanho quando encontrou uma maquina de sorvete expresso italiano, sozinha, esquecida em um canto do parque... correu para lá como se fosse a sua única razão de existir. Serviu uma porção carregada de sorvete de flocos e ainda colocou uma cobertura de morango, espremeu bem até sair o ultimo pingo da cobertura, pegou uma pazinha de plástico e se sentou de baixo da arvore e como se estivesse noutra dimensão se deliciou do seu adorável sorvete expresso sabor flocos com cobertura exagerada de morango. O sorvete gritou. Gritava apavorado a cada lambida que Grim proferia nele, o morango penetrava na sua pele rapidamente e a língua ajudava a derrete-lo rapidamente. Grim ficou assustado com o fato do sorvete gritar, nunca comera um assim antes, mas o sabor era incomparável e seguiu comendo até que percebeu que sua língua estava toda coberta por pelo, pelo de... LEÃO! Lembrou-se do seu felino que escapara no dia anterior e inundou de lágrimas o sorvete. Mas a descrença era tanta no seu futuro que seguiu comendo o sorvete, e se ouvia urros de um leão sendo devorado calmamente por uma língua peluda e o choro mais fervoroso que um criador de leões já havia derramado. Terminou o sorvete e apagou como quem acorda de um sonho, estava noutro tempo, noutro espaço sensorial e a vida lhe era fraca. Via seu leão correndo ao longe, maquinas de sorvete expresso italiano cuspindo pelos em casquinhas que se pareciam muito com dentes de leão e absorveu toda a nevasca para dentro de ti, num instante qualquer isolado dentro de uma maquina de sorvete numa esquina do tempo e da solidão.

O Fabuloso Mundo Circense dos Irmãos Grim e Schopendauber, nunca mais abriu as portas, mas sabe-se que ali, existiu uma das histórias mais nobres da história da humanidade.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Os Detonados


A gente sempre sonha em conquistar o mundo, sempre sonha em ser reconhecido, em ter muita grana, mas eu tenho pensado em me divertir um bocado. Já faz um tempo que venho me reunindo com amigos do colégio, do tempo em que ainda estudávamos, para aprender alguns acordes e também tocar algumas músicas. Pois bem, a gente tem conseguido isso, e está sendo empolgante. Olhamos os Beatles, sei lá, dá um frio na barriga esse lance todo, eles fizeram coisas impressionantes... com a mesma idade que nós, mudaram o mundo. A gente quer mudar o mundo também. É um desafio a cada ensaio, juntar um dó com um ré, uma letra com uma melodia, afinar um violão... essas coisas são gratificantes, pequenas e gratificantes.
Tenho sempre um grande susto quando ligo a guitarra, uma telecaster creme, no amplificador. O som se amplifica saca? É impressionante, isso é tão banal hoje em dia, mas eu sinto uma magia inexplicável por trás disso. Eu sempre me empolgo com as coisas, imagina então um sonho de anos..? Entrar num estúdio é assustador. Máquinas, equipamentos, amplificadores, guitarras elétricas, pratos, bateria, som, música, tudo alto, muito alto e (geralmente) harmoniosamente. Lindo! É excitante estar num estúdio, me sinto bem e animado. O som se amplifica. As músicas tomam vida própria, ficam ressoando pelas paredes do estúdio e o estúdio em si é algo mágico. Existe magia nessas coisas e eu não sei explicar muito bem porque fico tão emocionado com isso. Talvez eu seja apaixonado por fazer música, pela estética Rock’n’Roll disso tudo. É a primeira vez que uso a palavra “Rock’n’Roll” aqui, e parece que usei apenas esta neste texto. All right, that’s a trouble.
E mesmo que não tenha toda habilidade do mundo, muito menos a técnica, eu tento arduamente traduzir aquilo que sinto nas canções. A gente, porque não faço sozinho, tenta ser sincero, mas a empolgação é tanta que a gente vive mentindo nas letras. Talvez isso faça parte da arte de composição, ao menos no Rock. É emocionante dizer que está vivendo de esmolas na rua tocando gaita para burgueses no alto Leblon, sim, isso é emocionante numa canção! Mentimos por impulso, eu sei. Tanto nas músicas quanto em qualquer outro assunto relacionado a música, mas é impossível não mentir quando se esta tomando uma cerveja depois do ensaio num barzinho e passa alguém perguntando como vai a banda, “Ótimos, estamos preparando algumas coisas novas. Vamos gravar também, tocar por aí. Estamos ganhando grana” Isso tudo faz parte do Marketing da Mentira (do Rock’n’Roll). Me emociona. Tudo pode emocionar sabendo como ser dito, mas também vai depender da pessoa e da sua credibilidade com ela. Você tem de saber dominar as pessoas, seu publico, ainda mais se vai mostrar algo seu pra elas (isso não se relaciona a partes do corpo). A música é assim mesmo, mentiras agrupadas de maneiras divertidas, numa melodia simples e interessante, e vocês dançam.